No Mundo dos Doramas
- Yasmin Santos
- 24 de out. de 2019
- 7 min de leitura
Atualizado: 16 de nov. de 2019
Saiba mais sobre essas séries coreanas que tem ganhado cada vez mais espaço na plataforma de streaming Netflix
Os “Doramas” são programas de TV que nasceram na Coreia, e hoje tem se espalhado pelo mundo todo. Seu nome, na verdade, remete à palavra “drama” do grego ação, e que é utilizada pelas escolas de artes para falar de encenação, mas como na língua coreana não existe o fonema “Dra...”, eles pronunciam como “Dora…”, resultando na palavra Dorama.
Seu estilo pode ser comparado ao dos seriados norte americanos, com a programação dividida em diversos episódios, que acabam sempre de uma forma a aumentar o interesse do espectador. Isso faz com que eles queiram continuar assistindo para saber o que acontecerá no próximo episódio. Seus capítulos podem variar entre os doramas mais longos - que duram entre uma hora, uma hora e meia - e os mais curtos chamados de webdramas que variam entre vinte minutos, meia hora.
“As séries em geral tem meia hora, uma hora e você pode, por exemplo, assistir uma temporada inteira em um dia, e é isso que os jovens têm feito”, afirma o professor de História da Universidade Federal de Goiás, Roberto Abdala que tem pesquisas na área de narrativas audiovisuais e História, com ênfase nas performances culturais operadas pela linguagem.
Os doramas são exibidos uma vez por semana e a estória geralmente é centrada em uma pessoa, ou grupo de pessoas que sempre têm algo para resolver. Geralmente esses problemas são assuntos cotidianos, seja em relacionamentos amorosos, sociais, ou qualquer outro problema que as pessoas possam encontrar.
Um fato interessante que, talvez muita gente não conheça, diz respeito ao seriado americano "The Good Doctor", que passa na emissora Rede Globo e tem se tornado uma série de grande sucesso. Ele é na verdade uma adaptação de um dorama coreano chamado "Good Doctor" vencedor de diversos prêmios e internacionalmente reconhecido.
A Netflix tem, não só comprado doramas para exibição, como também produzido esse tipo de conteúdo original já há algum tempo. E com o passar dos dias, essas produções feitas pela própria plataforma ganham, cada vez mais, um grande espaço no cotidiano de quem consome esses produtos.
E isso é uma forma de facilitar o acesso ao público à conteúdos estrangeiros, o que contribui culturalmente para uma formação de conhecimentos. E nós brasileiros somos parte desse público que recebem conteúdos de diversos cantos do mundo. Como contou Maria Vitória de Souza, que conheceu os doramas há aproximadamente três anos:
“O ponto positivo para a Netflix é se abrir e se permitir a entrada de novos conteúdos, superando muitas vezes um possível preconceito com a língua, ou a aparência. Existem produções estrangeiras incríveis que não recebem a atenção que merece, cito até mesmo o cinema coreano que é sensacional e muito bem premiado.”
Porém, voltando a fala ao professor Roberto, o provável motivo da criação original desses produtos estrangeiros, ocorre por motivos de mercado, que envolvem a questão do capitalismo. E comparando os produtos coreanos, com os brasileiros, os primeiros são produzidos com mais intensidade que a produção de programas nacional.
“A primeira coisa que temos que avaliar é se essas produções não são mais baratas para a Netflix, eu acho também que elas podem ter algum traço das políticas da empresa, como exemplo a faixa etária, o tipo de temática, uma série de questões que está mais adequada ao tipo de concepção que a empresa tem como ideal para ela trabalhar. [...] Eles estão optando, principalmente para aquelas regiões onde a produção fica mais barata, não em Hollywood, por exemplo, onde ficaria bem mais caro.”
E quando se fala de produções estrangeiras, é impossível não mencionar o impacto da cultura que é inserida nesses programas, afinal o ser humano é moldado por seus costumes. Como citou o professor, é mais fácil encontrar dificuldades em se dissociar da cultura, do que ter problemas em inseri-la no programa.
Em alguns doramas isso é visto de forma mais intensa ainda, quando eles são “de época”. Normalmente as estórias desses programas históricos se passam na época dos reinados, e a presença de elementos como o uso do Hanbok (roupa tradicional coreana), da escrita em Hanja (utilizada antes da criação do Hangul) são bem marcantes.
Muitos desses doramas de época retratam acontecimentos reais, como é o caso do Hwarang, dorama que relata a história de um grupo de elite de jovens do sexo masculino durante o Reino de Silla. Esse grupo realmente existiu como forma de proteção para o Reino, e mais tarde sua forma de luta se transformou no que hoje conhecemos como o Taekwondo.
Porém, é preciso lembrar que, como já citado anteriormente, produções de filmes e seriados baseiam-se no mercado, em que o objetivo é vender e lucrar. Por conta disso, nem sempre tudo acontece na vida real da forma em que é retratado nos vídeos.
“Isso pode nem ser a cultura coreana, pode ser inclusive o que os coreanos consideram que é importante vender para o resto do mundo, porque na verdade é um produto, querendo ou não, ainda que a gente possa pensar que faz parte da cultura deles, é um produto para que eles vendam.” comenta Roberto se referindo à cultura que é passada nos filmes e seriados.
Em uma conversa com Noe Alonzo, um fotógrafo residente na Coreia já há oito anos, foi perguntado sobre a questão do respeito aos mais velhos, que é bastante visto nos doramas e nos filmes coreanos. Porém diferente do que se passa, a realidade é completamente outra, segundo o que Noe contou.
“Ah isso acontece só na TV, realmente o respeito com o mais velho existe aqui, mas Coreia tende a exagerar muito disso na TV”
Uma designer que preferiu não se identificar, e mora há mais de um ano na Coreia, complementou a frase de Noe. Disse que essa cultura dos coreanos, de um enorme respeito com os mais velhos, vem desaparecendo por diversos motivos no país, e o que se sabe dela realmente é mais o que se passa na TV, que não condiz tanto com a realidade.
“Nos doramas de romance é mais provável que isso [criação de estereótipos] aconteça porque dá a ideia de que lá seja tudo um ‘conto de fadas’, a Coreia ainda é um país muito conservador e machista, mas não é isso que mostra nos dramas.” explicou Ana Paula Monteiro.
Ana Paula, que assiste Doramas desde 2017, apesar de ser fã desses seriados, afirmou que nem sempre o que vemos é como realmente é. Ainda existem coisas por trás que são deixadas de lado, para não levar à tona certas partes da cultura do país asiático. E isso foi um dos pontos também citados por Júlia (preferiu não citar o sobrenome), que por ter descendência asiática, cresceu assistindo doramas com a família e percebe que nem tudo que passa é real.
"Nos doramas dá para ver a cultura coreana no quesito de estar namorando, parece que tudo gira em torno de estar com alguém, mas isso é muito romantizado, tudo parece um mar de rosas, mas lá o que mais tem são casos de namoro abusivo", disse Júlia.
De certa forma, há uma escolha do que colocar como cultura para ser vendida para fora, nos filmes e seriados. Isso é feito para que aquele país seja visto da maneira que ele imagina ser melhor para si, porém isso traz certos estereótipos que acabam sendo adotados por quem consome esse produto.
“Quando você pensa em uma outra cultura que está sendo disponibilizada em uma plataforma dessas... essa nova cultura, para essa juventude não tem muitos referenciais de valores, inclusive críticos mesmo. E esses jovens podem incorporar isso como uma forma de viver mesmo, mesmo não se tratando da cultura real daquele país”, explicou o professor Abdala.
Porém, independente de ter uma apropriação cultural, ou desses programas serem feitos para "vender" uma cultura, muitas pessoas vêem isso como uma forma de entretenimento, para fugir um pouco da realidade, como disse Maria Vitória:
“Os dramas funcionam pra mim como um passatempo, um meio de escapar um pouco da realidade. [...] Acho que todos temos as séries como uma válvula de escape do cotidiano e é muito fácil se apegar aos personagens e suas histórias, ainda mais quando nos identificamos com os mesmos. E ao se interessar por esse tipo de conteúdo, somos levados a outros gêneros de seriados coreanos que possuem ótimos dramas de suspense, ação entre outros.”
A História Cinematográfica da Coreia, segundo o livro Fatos Sobre a Coreia
De acordo com o livro Fatos Sobre a Coreia, publicado pelo Serviço de Cultura e Informação sobre a Coreia, a história do país asiático com o cinema teve início em 1919. Neste ano o primeiro filme coreano foi exibido com o nome de Vingança Justa, mas que também era chamado de “cinema teatral” pois era combinado com uma apresentação no teatro.
Depois da Guerra da Coreia , em 1953, a indústria cinematográfica teve um crescimento significativo, mas que se estagnou depois de duas décadas por conta do crescimento rápido da popularização da televisão. Porém isso não foi problema para alguns diretores, que mudaram completamente o modo antigo de filmagens e conquistaram novamente a atenção do público pelos filmes coreanos, que voltaram com força total em 1980.
Esse reconhecimento foi tão grande que não só os filmes como os seriados como “Sonata de Inverno” e “Daejanggeum” passaram em festivais internacionais em Cannes, Chicago, Berlim Veneza, Londres, Tóquio, Moscou, etc. E esse era o início da “Onda Coreana”, chamada de Hallyu.
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